quarta-feira, novembro 29, 2006


No fundo, eu sempre soube que falo demais.
Minha melhor amiga sempre disse, e ainda diz, que eu falo demais.
Sei que sou prolixa, e vivo tentando dominar esse meu defeito, que é apenas um dos muitos que tenho.
Mas há dois dias atrás, mais uma pessoa amiga -que nunca havia me dito isso antes- afirmou: "VOCÊ FALA DEMAIS!"
Disse com tanta autoridade e propriedade, que eu podia jurar que vi saindo de sua boca aquelas palavras com letras maiúsculas, em negrito, e com pelo menos uns dez pontos de exclamação na sequência!
'Você não fala besteira, não é isso, só fala muitas vezes o que já disse outras tantas vezes'. Não são palavras fiéis ao discurso desse meu amigo, por isso não me utilizei das aspas, mas sei que ele não vai ficar bravo com isso...

Engraçado como as coisas acontecem na vida da gente...

A gente pára prá dar uma analisada no problema que mais uma vez se apresenta, e começa a perceber algumas coisas.
Por exemplo:
.Não é o bastante simplesmente saber que se tem uma deficiência, como essa minha, para então tomar as providências necessárias para saná-la.
.Não é o bastante ouvir, de alguém que faz parte da sua história e em quem você confia até parte de seus segredos mais íntimos (como minha melhor amiga), que a gente tem o problema X ou Y.
.Não é o bastante nossos pais e/ou irmãos apontarem, dia após dia, o problema.
.Não é o bastante receber o diagnóstico do problema do nosso Chefe, numa daquelas reuniões de aproveitamento e análise da equipe no trabalho.

O apontamento do problema se torna eficaz quando a pessoa, que está realizando com a gente o confrontamento da questão em si, consegue fazer com que as palavras saiam de sua boca como se estivessem em negrito, como se fossem maiúsculas, e como se dez pontos de esclamação as acompanhassem na sequência!

Aí acontece aquele momento semi-mágico, quando a ficha finalmente cai!
E ela caiu prá mim esta semana.
E fez um barulho danado ao cair no meu "cofrinho interno", onde vou armazenando todas as que já caíram ao longo desses meus trinta e tantos anos...

E a gente começa a perceber que o silêncio pode ser nosso aliado, e as palavras podem se tornar nossas inimigas quando não utilizadas corretamente.

Uma das fichas que caíram há alguns anos, foi a de saber que não tenho dom para escrever; apenas me esforço para fazer o melhor possível quando me aventuro com as letras. Por isso, termino essa narrativa com um trecho de um dos textos de Lya Luft, uma de minhas escritoras preferidas, que complementa com louvor o que digo acima.

"Lançar uma palavra aos quatro ventos, como se entendêssemos do que se trata, não quer dizer que a gente viva segundo ela.
Temos dificuldade em lidar com o silêncio: ele ressoa mal no vazio do nosso interior.
Embora seja difícil de curtir (...), é nele que nos humanizamos - pela palavra certa, a palavra boa, a palavra respeitosa mas firme.
O medo de errar muitas vezes nos leva ao erro, e o desejo excessivo de acertar nos rouba a naturalidade: calamos quando seria melhor falar, falamos quando teria sido melhor dizer alguma coisa, qualquer coisa.
Mas nem sempre sabemos a hora, a palavra, a pessoa certa.
Assim como a solidão não precisa significar isolamento, silêncio não precisa ser um corte: pode ser nossa melhor maneira de falar, naquele momento, com aquele interlocutor. (...)
Calar pode ser um bom exercício para nossa mente aflita de tantas informações, paralisada entre tantas escolhas, dilacerada em transformações vertiginosas como as deste tempo nosso."

1 comentário:

F. disse...

.Foto de "minha própria autonomia", by cellfone.
.Trecho do texto "Em Outras Palavras", de Lya Luft, publicado em alguma edição da Revista Veja, e republicado no mais recente livro dela, o "Em Outras Palavras -Crônicas", 1ª Edição, 2006.